"Escrevo esta carta com uma profunda amargura e arrependimento. Estou sobrevivendo em condições precárias, em um mundo caótico, dominado pela fome, miséria, crime e desespero.
Hoje sou a pessoa mais idosa de minha comunidade, e tenho apenas 55 anos, mas a minha aparência é de alguém de 95 anos. A média de idade é apenas de 35 anos.
Respiramos um ar envenenado e nosso alimento é 90% sintético. Muitas crianças jamais viram uma fruta.
Recordo quando tinha 10 anos. Tudo era muito diferente. Havia muitas florestas, rios e vales verdejantes. As casas tinham bonitos jardins e eu podia desfrutar de um longo banho de chuveiro. Agora, usamos toalhas embebidas em azeite mineral para limpar a pele.
Antes, meu pai lavava o carro com água que saia de uma mangueira. Hoje as crianças não acreditam que utilizávamos a água dessa forma. Duvidam quando dizemos que algumas pessoas varriam calçadas e davam descargas em vasos sanitários com água potável. As piscinas são uma mentira para elas.
Recordo que os ambientalistas diziam para cuidar da água, só que ninguém lhes dava atenção, eram chamados de ecochatos, impediam o progresso. Agora, todos os rios, barragens, lagoas, e lençóis subterrâneos estão irreversivelmente contaminados ou esgotados.
Por falta de água, a rede de esgoto não funciona. O ar atmosférico é pútrido e nauseante. As doenças renais, as infecções gastrointestinais e as enfermidades da pele são a principal causa de morte.
A indústria está paralisada e o desemprego é dramático. As fabricas dessalinizadoras são a principal fonte de emprego e pagam os empregados com água potável em vez de salário.
Antes a quantidade indicada como ideal para se beber era de oito copos por pessoa adulta, hoje só posso beber meio copo.
Os cientistas investigam mas não há solução possível. Não se pode fabricar água, porque o oxigênio disponível na atmosfera foi drasticamente reduzido por falta de arvores. As novas gerações tem baixo coeficiente intelectual devido a escassez de oxigênio e alimentos.
Alterou-se a morfologia dos óvulos e espermatozoides de muitos indivíduos. Como consequência há muitas crianças com deformidades e insuficiências.
O governo até nos cobra pelo ar que respiramos, 137m3 por dia, por habitante adulto. Quem não pode pagar é retirado das zonas ventiladas, dotadas de gigantescos pulmões mecânicos que funcionam com energia solar. Não são de boa qualidade, mas se pode respirar.
Em alguns países restam manchas de vegetação com seu respectivo rio que é fortemente vigiado pelo exercito A água tornou-se um tesouro muito cobiçado, mais do que o ouro e o diamante. Com frequência há violência pela posse da água, os mais forte sempre vivem mais do que os mais fracos.
Sem arvores não há chuva, e quando vem a ocorrer uma precipitação, é de chuva ácida para nossa tristeza.
As estações do ano foram severamente transformadas pelas provas atômicas e pela poluição das cidades e das indústrias do século XX. Imensos desertos constitui as paisagens que nos cercam.
Adivertiam que era preciso cuidar do meio ambiente, mas ninguém ouviu. A prioridade era ganhar dinheiro e comprar coisas. Destruíam as florestas, dizendo que era para criar emprego e trazer o progresso.
Quando minha filha quer eu fale de quando era jovem, descrevo como eram belas as paisagens. Falo das chuvas e das flores, do ar puro, da água cristalina, do prazer de tomar um banho em cachoeira, igarapé ou uma praia de rio de água doce e/ou mar. Falo da facilidade que tínhamos em pescar nos rios e lagos e beber toda água que quiséssemos. O quanto nós eramos saudáveis e felizes.
Sempre que lhe falo dessas lembranças, ela me pergunta:
__Mamãe, por que a água acabou?
Então, sinto um nó na garganta!
Não posso deixar de me sentir culpada, porque pertenço a geração que destruiu o meio ambiente, sem prestar atenção a tantos apelos.
Sinceramente, creio que a vida na terra já não será possível dentro de muito pouco tempo, porque a destruição do meio ambiente chegou a um ponto irreversível.
. Como gostaria de voltar no tempo e fazer com que toda humanidade entendesse isso, deixasse de ser tão ignorante e pudesse mudar as coisas, enquanto ainda é possível..."
(Texto adaptado de um autor anonimo que escreveu para um a revista Chilena chamada "Crônica de los Tiempos".)