segunda-feira, 22 de julho de 2013

Canção das Estrelas

"Nasci assim, sem me entender. Fluí de um gênero a outro dentro de mim, experimentei, mudei, sofri, me recolhi para compreender a minha natureza. Fui aos extremos e em todos eles, em algum momento, me completei e vivi a minha própria natureza como uma criança que faz arte quando ninguém mais está olhando. Voltei à obscuridade de mim mesmo, repreendi, sufoquei e parei de viver. Subsistia apenas, até que a força natural do que se é emerge em algum ponto da existência. E a vida? Essa, passa a inexistir, sem sentido, sem porquês, apenas se sobrevive. Mas como se diz, a natureza é sábia, e a vida retorna quando encontramos o sentido dela, o sentido de cada um, um novo despertar para aquilo que somos. Nesse momento, as convenções são abandonadas, a natureza fala mais forte e, por incrível que pareça, nesse mundo adoecido de valores e imposições, de esquecimentos, nós passamos a ser os subversivos da "ordem" dita natural. Estamos planejados na matrix, nós, os "subversivos" da ordem dita "natural". E assim como os seres andróginos na mitologia grega, nos é imposto a divisão do nosso ser, a escolha para estar de um lado ou do outro, caso contrário, somos ameaçadores, devemos ser ignorados, combatidos, incorporados ao modelo até que nos ajustemos como a uma roupa que não nos cabe.

Voltemos no tempo. Por um acaso, as tradições milenares são sábias, reconhecem o masculino e o feminino dentro de cada um de nós, dentro de cada coisa que vibra em energia nesse Universo. Juntas, criam, destróem, reconstróem. Separadas, incompreendidas, podem ser enfraquecidas e até aniquiladas. O princípio do Tao evoca a fluidez entre masculino e feminino, a completude, a gama de matizes infinitas dentro dessas possibilidades e, mais uma vez, no vazio e no cheio, no completo e no incompleto, no tudo ou no nada, a natureza manifesta-se novamente. Simples, paradoxal, belo e complexo, como nós.

Vamos um pouco mais adiante no tempo agora. Talvez algo que hoje lhe pareça mais familiar, como as recentes teorias sobre identidades de gênero, calcam seus pés em coisas ancestrais, em parte, mas distorcidas a bel prazer de uns e de outros. Como se diz, nada se cria, tudo se transforma. Mas se tranforma em coisa bela ou em algo fatal para aniquilar-nos novamente. Infelizmente, muitos se apropriam para legitimar suas visões de mundo. Criar uma criança sem gênero, para que ela venha a escolher o que é a sua real natureza? Nada de novo. Já se fazia isso nas tribos nativas, mais precisamente nas da América do Norte, isso sem citar outros lugares, onde tem ressurgido com força o resgate dos seres winkte, "aqueles que mudam", ou os chamados mais popularmente de dois-espíritos. Suas naturezas sobrepunham-se ao seu sexo biológico. Eram considerados seres sagrados, que transitavam no binarismo masculino-feminino sem serem julgados. Apenas eram. Dois espíritos, um homem completo, um uma mulher completa, dentro de um só ser. Podiam ser excelentes guerreiros, chefes, maridos, esposas, tecelãs, ou mulheres e homens medicina, poderiam ser as duas coisas, se assim sentissem suas naturezas. A sua sacralidade era mantida, pelo poder que emanavam, por serem dádivas do Grande Espírito, por serem simplesmente parte da vida e da natureza que flui, sábia em si mesmo. Seres estes, que justamente por serem tão sagrados e vitais, foram escondidos dos colonizadores. O que dizer das chamadas crianças "índigo"? Todos somos índigos. Todos fomos rebeldes com ou sem causa, tolhidos pela domesticação que nos é imposta, sufocamos nossas potencialidades, nossas vontades e qualidades. Nada de novo, outra vez, se formos analisar como são criados os pequeninos seres nas nossas próprias tribos em território brasileiro, e em outros. Livres, para aprender a cair e a levantar-se. Não precisam de teorias que não seja a sapiência de seus cuidadores em saber que a natureza e a vida se encarrega de ensiná-los aquilo que não pode ser ensinado a não ser por suas experiências.

Por fim, pergunto a cada um que lê nesse momento, que reflexão fazes dentro de ti?

Que roupagem teremos que tomar para que haja respeito para com o que realmente somos?

Porque o "diferente" tanto assusta no hoje? Porque deixamos de ser humanos, deixamos de ser natureza para sair fora dela e vê-la como algo a ser domado. Logo, domamos a nós mesmos e ignoramos o que somos.

Abra a porta para você mesmo, abra-a para que possa ver com os olhos do ser que és em essência, e não com os olhos alheios, míopes e tolhidos de Beleza. Somos todos um nó na teia tecida pela vida e somente juntos, poderemos voltar a ser o que somos, a própria Natureza.

Gratidão Wakan, Makan, às forças sagradas do Céu e da Terra. Às quatro direções que convergem e dissipam-se através do nosso eixo, o nosso coração. Voltemos ao colo de nossos ancestrais. Que sejamos dignos de honrar todos nossos Parentes, sendo quem Somos.

Que caminhemos com a Beleza a nossa frente, atrás, acima, abaixo e ao nosso redor. Que sejam belas as nossas palavras.

Aho. Mitakuye Oyasin!
Assim eu, um winkte, falei."

Menkaiká - Canção das Estrelas
Terra Mistica

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